terça-feira, 27 de julho de 2021

 Aula de Geografia - 02/08/21 / 8º anos

A questão da água na América Latina.

A América Latina é a região com mais água doce no planeta: Brasil, Colômbia e Peru estão entre os dez países com a maior quantidade de recursos hídricos. Além disso, mais de 70% das águas são despejadas sem tratamento nos rios e oceanos da região. 

Estamos em meio a uma profunda crise civilizatória. O modelo civilizatório ocidental, alicerçado na exploração de seres humanos por outros seres humanos e na intensa exploração da natureza por uma restrita elite mundial, já não tem mais sustentação. Dos seis bilhões de pessoas que habitam a face do planeta, apenas 1,7 bilhões pertence ao modo consumista e predador da civilização contemporânea. Para sustentar os caprichos dessa elite mundial são necessárias 1,5 Terras para alguns, ou até seis Terras para outros. Essa elite não está apenas no primeiro mundo, mas também tem seus nichos no segundo, terceiro e quarto mundo. Estender esse modelo de produção e consumo a todos os seres humanos é impossível, pelos próprios limites desses bens em nosso planeta. Para sustentar esse modelo o maior tempo possível para uma elite restrita, é preciso restringir o acesso dos demais a esses bens. O melhor mecanismo para selecionar os incluídos do modelo é aplicar as regras do mercado a todas as dimensões da existência. Quem puder comprar, entra. Quem não puder está posto de fora. A consciência dos limites do planeta começou surgir a partir da década de 60, mas aprofundou-se na década de 70 e generalizou-se a partir da década de 80. A Cúpula Mundial do Meio Ambiente no Rio de Janeiro consagrou a questão ambiental como fundamental para o destino da humanidade e do planeta Terra. Coincide com a tomada de consciência dos limites do planeta e implantação mundial do neoliberalismo. Não foi por acaso. A elite mundial percebeu os limites do planeta e que seu “modus vivendi” não poderia jamais ser estendido a toda a humanidade. Então criou um mecanismo para estabelecer um “limite natural” aos que têm acesso aos bens e os que jamais o terão, isto é, aprofundou e tenta estender para todas as dimensões da vida as regras do mercado. Assim, através das regras do mercado, a elite mundial reservou para si os bens que antes também tinha destinação universal. Entre eles está a água. A regra número um do mercado é transformar todos os bens em mercadoria. Nesse sentido, o mundo passa hoje pela disputa dos últimos bens da natureza que ainda não foram privatizados. São muito poucos: restavam ainda a própria vida, água, sol e ar. A vida está sendo privatizada através do patenteamento de sementes, princípios ativos de plantas e pelo avanço da ciência na própria genética humana. O sol e o ar ainda não descobriram mecanismos de privatização. Mas a privatização dos solos, da água e da biodiversidade segue a passos largos em todo o planeta.

 A questão da água

A privatização da água não se dá ao acaso, ou de forma dispersa. Ela passa pela elaboração de grandes estratégias, mapeando a abundância da água nas regiões do planeta e construindo planos que, ao longo prazo, permitam a apropriação privada desse bem em escala mundial. Vamos citar aqui rapidamente os planos que existem desde o Canadá até o sul do continente latino americano, para termos uma ideia mínima do que está sendo estrategicamente pensado. Por trás desses planos estão sempre grandes empresas transnacionais, a intermediação dos organismos multilaterais como Bird, Banco Mundial e FMI, sempre em articulação com os governos e elites locais dispostas a transferir o patrimônio público para empresas privadas. Normalmente esses planos visam investimentos em infraestrutura. Posteriormente, pelos tratados de livre comércio, seja em nível continental como a Alca, ou tratados bilaterais (Os TLCs – Tratados de Livre Comércio), essas infraestruturas acabam privatizadas.

Plano “Puebla Panamá” na América Central. O Plano é um conjunto de grandes projetos de investimento em infraestrutura, transporte, comunicações, energia, turismo e outras obras em países da América Central e nos estados do sul do México. Abrange Puebla, Vera Cruz, Guerrero, Oaxaca, Chiapas, Tabasco, Campeche, Yucatán, Quintana Rôo, Belize, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica e Panamá. Vai desde Puebla, México, até o Panamá. Através de ferrovias, rodovias, portos, comunicações e uma rede elétrica que permita interligar e explorar o potencial hidroelétrico de toda região, puxando energia na direção do norte. Fundamentalmente visa facilitar o acesso aos bens naturais da região, criar facilidades para escoamento dos produtos do México e Estados Unidos, controlar os guerrilheiros da região e controlar as migrações. Um dos objetos principais de cobiça é a água. Só o estado de Chiapas, com forte presença da guerrilha, contém 40% de toda água doce do México. Mas a América Central é toda rica em água doce. Uma série de empresas transnacionais, interessadas nessa água, tem se instalado na região, principalmente cervejarias, inclusive a Ambev com uma fábrica na Guatemala e outra na República Dominicana. 

Há também um potencial hidroelétrico fantástico. Só no México está prevista a construção de 25 novas barragens o que poderá remover cerca de oito milhões de indígenas dos 10 milhões que habitam essas regiões.

IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul). Por hora é mais uma concepção estratégica que uma realidade. Também se planeja corredores industriais, hidrovias, rodovias que conectem os lugares mais recônditos de toda a América Latina, inclusive a região amazônica, onde estariam 20% de toda água doce do mundo. Mas não é apenas a Amazônia que é rica em água doce. Toda bacia do Prata é também rica em água doce, considerada a segunda do mundo, logo depois da Amazônica. É nessa região também que está o Aquífero Guarani, um mar subterrâneo de água doce. Os principais interessados são as empresas engarrafadoras de água e as fabricantes de bebidas que demandam muita água. No Brasil dispensa comentários o plano estratégico no Estado Brasileiro para a construção de barragens. É também do conhecimento comum que hoje a construção de barragens foi repassada para as empresas privadas, o que têm acarretado mais problemas para os atingidos por barragens, que agora têm que negociar com particulares e não mais com o governo.

NAWAPA (North American Water and Power Alliance). Esse é um plano dos americanos do Norte. Pretende desviar vastos recursos de água do Alaska e do Oeste do Canadá para os Estados Unidos. Esse é o plano de infraestrutura. O plano de livre comércio da região é o Nafta. Já existem problemas sérios na exploração das águas canadenses pelos Estados Unidos. Nos dias atuais, quando toda riqueza natural do planeta já está mapeada, os colossais interesses privados não têm dificuldades de armar suas estratégias. Quando se trata da disponibilidade de solos, água doce e biodiversidade, as Américas, principalmente a Central e do Sul, estão necessariamente incluídas em qualquer grande estratégia, exatamente pela abundância que possuem desses bens imprescindíveis para o futuro da humanidade e da vida no planeta.

O novo discurso sobre a água

O discurso sobre a água mudou rapidamente nos últimos anos. O bem abundante e sem valor, “insípido, inodoro e incolor”, rapidamente tornou-se “ouro azul, escasso, dotado de valor econômico, objeto de cobiça, fator de guerras entre as nações”. Esse discurso não é ingênuo, e exige um difícil discernimento para distinguir o que é realidade e o que são os interesses daqueles que o produzem. Em primeiro é necessária a distinção entre água e recursos hídricos. Água é um bem da natureza que está no planeta há bilhões de anos. É o ambiente onde surgiu a vida e componente de cada ser vivo. Por isso, o supremo valor da água é o biológico. Recurso hídrico é a parcela da água usada pelos seres humanos para alguma atividade, principalmente econômica. Portanto, água é um conceito muito mais amplo que recurso hídrico, embora sejam indissociáveis.A questão é que o uso da água hoje é muito mais intenso que em algumas décadas atrás. Hoje, a média mundial é que da água doce utilizada, 70% destinam-se para agricultura, 20% para indústria e 10% para o consumo humano. Esse uso intenso da água, principalmente na agricultura e na indústria, ocorre num ritmo mais acelerado que a reposição feita pelo ciclo natural das águas. Dessa forma, muitos mananciais estão sendo eliminados pelo sobre uso que deles se faz. Pior, ao devolver a água para seu ciclo natural, ela vem contaminada pelos agrotóxicos da agricultura e pela química da indústria. A falta de saneamento ambiental, sobretudo em países pobres, colabora para a contaminação dos mananciais. Em consequência, hoje no planeta, segundo a ONU, 1,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável e 2,4 bilhões não têm acesso ao saneamento. O impacto na saúde humana e no meio ambiente é uma tragédia. Portanto, a chamada “crise da água” é de quantidade e qualidade, não por razões naturais, mas pelo uso irresponsável que o ser humano dela faz. Agrava-se ainda mais essa situação quando a ambição, visando usos futuros privados da água, também a privatiza. A escassez produzida então passa a ser quantitativa, ou qualitativa, ou social, ou em todos esses níveis simultaneamente. O crescimento populacional ajuda agravar a situação. Nesse sentido, a crise da água é progressiva. A posição da ONU é clara, ou se muda o modo de gestão das águas, ou essa será pior crise que a humanidade já enfrentou em sua história sobre o planeta. Sem dúvida a chave da questão está no intenso uso agrícola e industrial da água. A água ainda é usada para navegação, pesca, geração de energia elétrica, uso doméstico em geral, além de outros. É o chamado “uso múltiplo da água”. Porém, quando se constata que 70% em média vai para a agricultura, é preciso se perguntar que agricultura é essa que consome água em tamanhas proporções que chega a desequilibrar o próprio ciclo das águas. É uma agricultura de primeira necessidade, ou é uma agricultura que visa produzir permanentemente bens que na verdade são sazonais, consumidos por uma restrita elite mundial? Essa resposta é variada e depende de país para país. Na Ásia a produção de arroz é um bem fundamental. No Brasil, na região do Vale do São Francisco, a água é usada para produção de frutas para exportação, ou até mesmo para irrigar cana para produção de álcool e açúcar. O etanol, que move carros no Brasil e na Europa, pode ser visto como um combustível limpo, desde que não se perceba a água embutida em sua produção. A Transposição do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional visa, sobretudo, a produção da camarões em cativeiro e a fruticultura irrigada. O conceito de escassez, introduzido como fundamento econômico pelos neoclássicos, agora também é aplicado na questão da água. Para esses pensadores, um produto tem mais valor econômico quanto mais escasso ele for. Por consequência, aplicar o conceito de “escassez” à água tem uma clara conotação ideológica dos princípios liberais dos neoclássicos. Entretanto, no tocante à água, sua escassez quantitativa e qualitativa não é uma questão natural, mas produzida pela mão humana. Portanto, pode ser evitada. A própria ONU afirma que a crise da água é mais uma questão de gerenciamento que de escassez. Um dos argumentos utilizados para justificar a escassez da água é que 97,6% das águas do planeta são salgadas e apenas 2,4% são água doce. O quadro abaixo nos dá uma visão detalhada da distribuição da água no planeta.as águas são despejadas sem tratamento nos rios e oceanos da região. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário